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Pesquisadora Yraima Cordeiro no Blog Petiscos
Profissão: Cientista
Por Yraima Cordeiro - Para o Blog Petiscos - Publicado Em 12/05/2017
Toda criança nasce cientista. A interação de uma criança com o mundo que a cerca envolve a experimentação científica. As crianças, sem medo de errar, testam (e nos testam!), experimentam, perguntam, não têm ainda o conceito do certo e do errado. Com o tempo, vão crescendo e sendo engolidas pelo nosso ambiente social, rotina escolar e, muitas vezes, perdem o interesse científico, perdem o hábito da pergunta! E ser cientista é isso: ser um eterno curioso que, mesmo quando adulto, não perde (ou que consegue recuperar) características da infância, como o interesse pelos processos biológicos, físicos, químicos, matemáticos, sociais, políticos e outros que nos rodeiam. A minha carreira como cientista foi impulsionada por diversos fatores, como as escolas onde estudei, meu ambiente familiar e a escolha da minha graduação.
Na minha infância estudei em um colégio Montessoriano, o que me deu uma formação com independência e responsabilidade baseadas na experimentação. No ensino médio estudei na Escola Técnica Federal de Química (atual IFRJ), que foi o fator delimitante para minha escolha profissional futura. Na ETFQ tive professores excelentes que já eram pesquisadores e estimulavam o pensamento cientifico, e logo soube que queria cursar algum curso de graduação em que pudesse estudar mais bioquímica, disciplina que me encantou desde sempre! Ao final do ensino médio, para obter o diploma de técnico em biotecnologia, era obrigatório fazer um estágio na indústria ou em pesquisa. Eu escolhi estagiar em laboratório de pesquisa da UFRJ, sem nem titubear! Comecei a trabalhar em um laboratório no Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro onde estudei o efeito de fatores físicos sobre o rotavírus, responsável pela diarreia infantil. Neste período, ao ser apresentada ao dia a dia de um laboratório de pesquisa, aprendi a adotar o método científico (hipótese, pergunta e experimentação) na minha vida profissional. Tomei gosto pela descoberta, mas também aprendi (aprendizado eterno) a lidar com diversas frustrações, como não ter um determinado reagente para realizar um ensaio, não conseguir entender o resultado de um experimento ou por não conseguir concretizar uma meta.

Concluí o curso técnico e ingressei no curso de graduação em biomedicina pela UNIRIO, que foi escolhido por ter uma boa carga didática em bioquímica, e continuei estagiando no laboratório na UFRJ. Concluí a graduação e, sem hesitar, ingressei no mestrado em química biológica na UFRJ. Em seguida, cursei o doutorado. Realmente não me imaginava fazendo outra coisa além de seguir a carreira acadêmica. Além de adorar a pesquisa em si, sempre gostei de lecionar, e o contato semanal com os alunos de graduação e do laboratório me impulsiona a aprender mais e a questionar mais. A atividade científica, ao contrário do que muitos pensam, não é uma atividade solitária, a ciência é feita em conjunto. Principalmente nas áreas biológicas e da saúde, nosso trabalho evolve uma atuação em equipe, com colaboração de diversos profissionais, alunos, técnicos, sendo uma troca de experiências muito gratificante. Hoje, me considero uma pesquisadora já estabelecida, pois concluí o doutorado há mais de dez anos e sou docente e pesquisadora da Faculdade de Farmácia da UFRJ desde 2006. Eu investigo os fatores que levam proteínas normais a causarem doenças em humanos. Meu foco é em doenças neurodegenerativas, como as doenças causadas por prions (ex: mal da vaca louca).
Busco compreender que mecanismos fazem com que estas proteínas, que no geral não causam doenças, mudam de forma e começam a agregar no sistema nervoso central. Ainda neste tema, busco novas moléculas que possam interferir neste processo de agregação, e, portanto, bloquear a progressão destas doenças que ainda são incuráveis e fatais. A ciência me traz muita gratificação e também a oportunidade de conhecer profissionais diferentes e novos locais. Conheci diversos países por conta do meu trabalho como pesquisadora, sendo uma das partes mais gratificantes de ser cientista: poder divulgar o que fazemos para outros cientistas e, mais importante ainda, para o público em geral. Em relação ao papel das mulheres na ciência, atualmente nós já produzimos metade da ciência no Brasil, de acordo com levantamento recente.

Entretanto, apesar de estarmos muito presentes nas Ciências Humanas, Biológicas e da Saúde, estamos ainda pouco representadas nas Ciências Exatas. Há de se aumentar esta representação e também termos mais mulheres ocupando cargos de chefia, coordenação etc. Há muitas mulheres na base da Ciência e poucas no topo, atuando como formadoras de opinião e geradoras de políticas públicas para a Ciência. Há de se mudar esta distribuição, dando mais poder e oportunidade às mulheres. Se sofri preconceito por ser mulher e cientista? Quando fui contemplada com o prêmio da L´Oréal para jovens pesquisadoras, em 2006, muitos me perguntaram se o prêmio era concedido pela beleza das premiadas e não pelo mérito! Considero esse fato um preconceito velado, já embutido na nossa sociedade brasileira, que é inerentemente machista. Fui mãe recentemente e a maternidade muitas vezes nos aleija de galgar posições de destaque em nossas profissões. Mas o mundo está mudando, e uma mulher que é mãe tem qualidades que a destacam no ambiente profissional, como a perseverança, a capacidade de conseguir fazer várias tarefas ao mesmo tempo e a maior organização do tempo disponível. Finalmente, as mulheres podem ocupar o lugar que desejarem e a carreira científica é um deles! Se você gosta de estudar, é curiosa(o), não tem problemas em trabalhar em horários alternativos (há momentos em que precisamos ficar muito tempo no laboratório, os experimentos não necessariamente funcionam no horário comercial) e tem interesse sobre os fenômenos que nos cercam, essa pode ser sua carreira!
Gostaria de dedicar este texto ao Prof. Mario Alberto Cardoso da Silva Neto, que foi pessoa essencial para que eu buscasse a carreira em bioquímica. Ele foi um professor inspirador e um exemplo de ser humano. Mario morreu ontem, 11/05/2017.
Veja a publicação original em:<https://petiscos.jp/quatroolho/yraima-cordeiro-fala-sobre-profissao-de-cientista>.
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