Legenda: Integrantes do INBEB durante a homenagem de Amílcar Tanuri no auditório do bloco N do CCS/UFRJ.
Um dos maiores virologistas do país, Amílcar Tanuri foi homenageado na segunda, 9 de julho, pelo Conselho do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRJ. Durante a cerimônia, o professor e pesquisador da UFRJ falou sobre seus 18 anos de trabalho no combate à epidemia da HIV/Aids na África. O evento foi marcado também por depoimentos de alguns de seus colegas de trabalho, como a decana do CCS, Maria Fernanda Santos Quintela da Costa Nunes. A homenagem se deu em virtude da
posse do pesquisador como um dos novos membros titulares da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“Essa cadeira que ele recebe é merecida”, afirmou Maria Fernanda, após elogiar o professor por ser “gentil, amável e solícito”. Em depoimento gravado, o professor da UFRJ Rodrigo Brindeiro, que é parceiro de laboratório de Tanuri, enalteceu a sólida trajetória do colega de trabalho. “Espero que ele não se aposente tão cedo, são muitas histórias. Ele deixa um legado enorme de todas as pessoas que ele treinou e formou”, concluiu. Já o professor Sérgio Bonecker, também da UFRJ, lembrou dos tempos em que estudou com Tanuri na escola e, juntos, conseguiram apoio para a criação de um mini laboratório de ciências.
Tanuri abriu sua apresentação reconhecendo a importância do trabalho em conjunto na sua trajetória profissional. “O ingresso na ABC é coroação não só do meu trabalho, mas da minha equipe e de todos que batalham pela ciência no Rio de Janeiro”, destacou. Enquanto relatava sua experiência no combate à Aids em diferentes países da África, o pesquisador citava a todo momento os nomes de companheiros de equipe e das instituições que apoiaram as iniciativas.
Entre as organizações, uma das mais importantes foi o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (ou CDC, do inglês Centers for Disease Control and Prevention), agência governamental dos Estados Unidos onde o pesquisador trabalhou entre 1996 e 1998, após quatro de colaboração aqui no Brasil,e novamente em 2002. Foi lá que Tanuri aprimorou seus conhecimentos em HIV/Aids e aprendeu as mais avançadas técnicas de pesquisa existentes na época, como genotipagem e fenotipagem do vírus HIV.
Essa experiência nos Estados Unidos o levou à África em 1999, junto de um grupo que tinha o objetivo de desenvolver e implementar em países subsaarianos uma forma simples e barata de diagnóstico de pessoas contaminadas pelo vírus da Aids. A área foi escolhida por apresentar uma grande incidência de casos da doença e pelo fato de que mais da metade dos infectados morria por falta de diagnóstico. Na época, o teste recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) era o tradicional Elisa, que exigia o uso de equipamentos complexos em laboratório e custava cerca de US$ 100,00 por pessoa, tornando seu acesso praticamente inviável.
A solução que Tanuri e seus colegas propuseram era a realização de testes mais simples, capazes de identificar a presença de anticorpos do vírus HIV a partir de apenas uma gota de sangue. A eficácia deles é assegurada pela redundância: aplicam-se pelo menos dois antígenos diferentes. Se os dois dão positivo, a probabilidade de a pessoa estar contaminada é alta. A vantagem desses exames são a possibilidade de serem realizados in loco, mesmo em condições adversas como as dos postos de saúde locais, pela rapidez no resultado - no próprio dia -, além do custo, de apenas US$ 2,00 por pessoa.
Hoje já bastante disseminados, esses testes eram novidade na época e geravam desconfiança. O desafio era convencer as autoridades locais da eficácia dos testes. “Eles diziam para a gente: ‘querem usar teste barato porque somos africanos’”. A solução foi mostrar o resultado na prática. Em Moçambique, primeiro país em que o grupo atuou, o número de pessoas testadas pulou de 300 ao ano para 150 mil em apenas seis meses, e as mortes caíram drasticamente.
Outro desafio era testar crianças recém-nascidas. Esse é um dos grupos mais vulneráveis, pela importância do tratamento precoce para se evitar a morte dos bebês infectados e pela dificuldade de se obter um resultado positivo confiável, já que até os 700 dias de vida a criança ainda carrega os anticorpos da mãe. Além disso, era preciso convencer as mulheres a levarem seus filhos para tirar sangue. Com o teste da gota de sangue, extraída a partir de uma simples “picada” de agulha, o obstáculo foi superado. Em Botsuana, outro país que recebeu o grupo de estudiosos, todas as crianças haviam sido testadas em apenas seis meses.
Ao longo dos 18 anos, Tanuri e seus colegas atuaram em países como Moçambique, Botsuana e Angola. Além da implementação dos testes rápidos, os pesquisadores também precisaram levar conhecimentos de biossegurança para melhorar as condições precárias dos laboratórios locais, enfrentar a resistência inicial contra a adoção do tratamento com coquetel de antirretrovirais, além de superar barreiras impostas pelo idioma. Os resultados mostram que os esforços valeram a pena.
Tanuri também acumula uma atuação importante no combate a outras doenças causadas por vírus, como a recente epidemia de Zika e Chikungunya, o combate à Febre Aftosa nas áreas rurais do país, entre outras. A nomeação para a ABC é a consagração de uma carreira dedicada à saúde pública e à ciência.
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Por Luana Rocha (AsCom INBEB)
Publicado em 11/07/2018