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Mutação da p53 e resistência à quimioterapia

Cientistas brasileiros desvendam mecanismo de resistência à quimioterapia anticâncer relacionado à mutação da p53
Estudo inédito realizado em células vivas abre portas para o desenvolvimento de terapias mais eficazes contra determinados tipos de câncer, como o glioblastoma

Mais da metade dos casos de câncer no mundo está associada a mutações genéticas na p53, proteína responsável por proteger o DNA de alterações que podem levar ao câncer. Quando essa proteína se deforma, ela não só perde a capacidade de proteção como pode ganhar novas funções, agindo como “traidora” e contribuindo para a propagação do tumor pela formação de aglomerados tóxicos e, às vezes, resistentes à quimioterapia. O mecanismo pelo qual essa “traição” ocorre e de que forma ele causa resistência a medicamentos ainda não são totalmente compreendidos.

Um grupo de pesquisadores brasileiros liderado pelo bioquímico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jerson Lima Silva desvendou parte do mistério. Em estudo inédito, os cientistas identificaram a presença de uma grande quantidade da versão traidora da proteína em células resistentes à quimioterapia derivadas de glioblastoma, um tumor cerebral superagressivo. Eles constataram também como a proteína deformada se organiza no interior da célula para exercer a resistência – no caso, aglomerações maiores que as encontradas em indivíduos saudáveis, algumas com propriedade amiloide, isto é, quando a mutação leva à formação desses aglomerados. Foi a primeira vez que essas estruturas foram observadas no núcleo de células vivas. Os resultados estão publicados na iScience (do grupo editorial Cell).

O uso de células vivas traz contribuições importantes para a pesquisa na área. “Diferente de outros estudos, e em colaboração com o pesquisador Enrico Gratton, que desenvolveu a análise de espectroscopia de flutuação de fluorescência, identificamos pequenos oligômeros (estruturas pouco maiores que a versão saudável da p53) em células vivas, contribuindo para a identificação dos agregados de p53 de maneira mais próxima ao que deve ocorrer no organismo humano”, explica Murilo Pedrote, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem (INBEB) e primeiro autor do estudo.

A pesquisa foi realizada a partir de uma mutação específica da p53 (M237I). “Isso é importante, pois outras mutações estudadas na p53 e a proteína sem mutação alguma não são capazes de conferir o mesmo quadro de resistência”, ressalta Guilherme Oliveira, professor da UFRJ e um dos coordenadores do estudo.

O grupo de Lima Silva vem estudando as alterações da p53 há mais de 15 anos. Foi seu laboratório o primeiro a identificar a propensão da proteína deformada a formar agregados amiloides, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento do câncer através da perda de função, dominância negativa (quando versões mutadas da proteína se ligam às saudáveis, alterando o comportamento destas) e ganho de função. A partir disso, foi observado pelo grupo do próprio pesquisador e outros grupos que os agregados amiloides de p53 mutada estão presentes em câncer de mama, ovário e próstata. Por suas características, esses aglomerados amiloides se tornaram um novo alvo para terapia anticâncer.

No novo estudo, Lima Silva, Oliveira e os demais autores constataram que em glioblastoma, um tumor cerebral agressivo, invasivo e com baixa sobrevida (média de 14 meses), a proteína deformada está envolvida não só na formação dos agregados amiloides, mas também na resistência à temozolomida, principal medicamento usado no tratamento da doença. A expectativa é que os resultados possibilitem o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra diversos tipos de câncer. “O nosso estudo indica que estados mal dobrados e agregados do mutante p53 são alvos formidáveis para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas contra o câncer”, conclui Lima Silva.

O artigo intitulado “Oncogenic gain of function in glioblastoma is linked to mutant p53 amyloid oligomers” está disponível online na iScience.

O estudo foi financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biologia Estrutural e Bioimagem (INBEB).

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Por Luana Rocha (AsCom INBEB)
Publicado em 14/01/2020

 
     
     
   
     
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